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Kentaro Miura – Uma despedida

No dia 30 de Abril de 2021, eu havia feito um post aqui no PodCaverna enaltecendo a obra de um grande artista: Kentaro Miura. O mangaká faleceu no dia 6 de Maio e somente hoje, dia 20 do mesmo mês, é que veio ao conhecimento público este acontecimento. Talvez eu não vá conseguir expressar com precisão o quão devastador e triste isso é para mim. Miura era uma figura que muito me inspirava e toda a sua obra, enredos, personagens e universo dentro de Berserk sempre ressoaram muito em mim. Simplesmente, uma notícia trágica.

Hoje venho aqui não só fazer uma despedida, mas uma reflexão sobre o que aprendemos com esse mangaká espetacular e tão adorado por muitos. Antes, para evitar qualquer tipo de spoiler da história de Berserk, peço que leia este artigo sabendo que irei tocar em pontos importantes da trama e trazer um pouco da minha visão sobre a obra, com todo o respeito e carinho do mundo. Sou professor de inglês e geografia, músico e uma pessoa como qualquer outra, tenho meu passado e minhas visões de mundo e realidade, isso tudo pesa na hora de ler e absorver qualquer conhecimento ou obra artística. Deixo este pequeno disclaimer aqui somente para que vocês, leitores, levem qualquer coisa aqui com uma pitada de sal.

É em 26 de Novembro de 1990 que a história de Berserk tem seu início. Logo no primeiro volume, você já é surpreendido com um personagem extremamente badass – o único guerreiro que consegue carregar uma espada gigante (Dragon Slayer), equipado com um braço mecânico que atira flechas e serve de canhão; temido por muitos por sua postura forte, semblante fechado, um corpo cheio de cicatrizes e cego de um olho – Guts mostra ser um protagonista que, inicialmente, busca vingança. Logo depois de alguns volumes vemos que os motivos do guerreiro são muito maiores do que somente se vingar daquilo que fizeram com sua vida, sua amada e seus amigos. Kentaro se utiliza de um recurso já muito conhecido e comum no storytelling, mas não fica atrás e nem perde para nenhuma outra grande obra – aos poucos o passado e o presente do protagonista vão se entrelaçando, os acontecimentos vão sendo explicados e tudo vai ficando mais claro para os leitores ao decorrer dos volumes. A trama não para de crescer e ganhar corpo e a jornada dos personagens ganha cada vez mais significado e profundidade.

Em vários momentos, Kentaro tece diversas críticas ao fanatismo religioso e à tirania do catolicismo. Podemos ver isso em todo o arco do desenvolvimento de Farnese – personagem que começa como “vilã” e se torna uma grande aliada de Guts depois de uma série de reviravoltas. E por falar na Farnese, como não falarmos de Shierke? A jovem bruxa que mostra uma mensagem ecológica belíssima e de união com a natureza. Seu arco, além de comovente, é um dos mais importantes para a trama inacabada, pois nos últimos volumes lançados vemos que a mestra de Shierke guardava um grande segredo sobre o reino dos elfos e fadas, sem contar a poderosa armadura de Berserk, que é vestida pelo nosso protagonista. Mais adiante, a pequena bruxa começa a treinar Farnese, que deixa de ser fanática religiosa, para se tornar uma praticante da magia.

Shierke ajudando Guts a lutar contra a força bestial que vive dentro de sua armadura de Berserk.

Por falar em personagens femininas poderosas, muitos achavam que Caska – a companheira de Guts durante sua estadia no bando do Falcão, na Era de Ouro – era uma personagem que estava jogada às traças após os eventos traumáticos do Eclipse , na verdade houve uma reviravolta espetacular, em especial no volume 40 (o último), com várias referências psicanalíticas e, literalmente, uma reconstrução da personagem. Foi um momento muito emocionante e agora é desolador olhar para esse último encadernado e não saber como os dois parceiros iriam seguir após esse grande arco. Desde o começo, Guts estava à procura do reino dos elfos para curar Caska, agora que finalmente sabemos que ela podia ser e foi curada, é muito triste ficar com esse eterno cliff hanger do que realmente aconteceu com a moça ao se deparar com seu companheiro.

Toda a construção dos demais personagens gira em torno da ascensão de Griffith, o grande guerreiro que era o capitão do bando do falcão e mais a frente se torna o grande vilão da história. O desenvolvimento deste personagem é muito intrigante e no começo da trama já conseguimos perceber a sede de poder e ganância que jaz por detrás da calma e frieza desse personagem. Griffith nos mostra até onde o ser humano vai para obter o que quer, vendendo a vida de seus companheiros para atingir o seu objetivo, sem pensar em mais nada a não ser se tornar o grande governante de um novo mundo moldado segundo os seus padrões e desejos, ao lado do clero e da elite, cegos pelo poder. Os God Hand (deuses diabólicos de outra dimensão) e o adorado Skull Knight permanecerão um eterno mistério para nós, também. Diversas teorias foram escritas em cima dessas entidades, mas jamais saberemos o que Miura realmente queria nos transmitir.

Aqui vemos Shierke – a jóvem bruxa – ajudando a defender uma vila inteira de um ataque de trolls. A personagem tece um discurso muito marcante sobre a sua relação com a natureza, com uma mensagem forte e bela – um dos meus momentos favoritos do mangá.

Será que Guts e Caska iriam conseguir reatar seus laços depois de tudo o que passaram? Será que Griffith iria realmente cair? Será que seu império fanático e demoníaco iria sucumbir diante do eminente conflito com os heróis? Jamais saberemos. É muito triste saber que essa obra não terá um final. Mas uma coisa é certa: essa obra é. Ela existe e cativou muitos fãs no decorrer de suas décadas de lançamento, inspirou diversos artistas e roteiristas. Podemos ver traços de Berserk em Final Fantasy, Dark Souls, Bloodborne, Sekiro e muito mais séries, animes e games do que se pode imaginar. A obra foi um definidor do gênero Dark Fantasy e colocou o mesmo no pedestal. O peso da influência de Kentaro Miura para história e a cultura pop é muito grande. O seu legado viverá para sempre e agora só nos resta imaginar e fantasiar como a terra de Midland, seus personagens e toda a sua história, realmente iriam se desenvolver. Até agora, não sabemos se o mangaká deixou algum registro escrito do restante deste trabalho, então, só nos resta aguardar.

Caro leitor, se você leu este post até aqui e não conhece esta obra, eu recomendo muito que procure os mangás e vá conferi-los por você mesmo. No meu primeiro post eu falei o quanto Berserk mudou minha vida e como estava me ajudando a lidar com essa realidade obscura que estamos vivendo. Assim como Guts estava aprendendo a dominar o espírito bestial que vivia dentro de sua armadura, lutando contra os males e bizarrices do mundo, eu me via ali fazendo o mesmo na minha realidade, lutando contra os meus demônios internos e lutando para sobreviver nessa distopia que estamos vivendo aqui no Brasil.

Espero que Berserk ressoe com você como ressoou em mim, como quando me fez chorar com o discurso de Shierke sobre a natureza e espiritualidade; quando Guts, mesmo depois de tantos eventos traumáticos, se levantou, lutou e aprendeu a trabalhar em conjunto, fez amizades e se desenvolveu; quando Farnese enxerga a bizarrice que o fanatismo religioso pode fazer com o ser humano e que a riqueza de bens materiais nada tem a ver com a riqueza de espírito (aquele dotado de generosidade e solidariedade) e que família é muito mais do que sangue; quando vimos Caska sendo reconstruída por suas amigas e voltando a ser a guerreira espetacular de outrora, depois de ter sobrevivido uma as maiores bizarrices do universo de Midland

Enfim, não quero entregar mais spoilers. Kentaro Miura será eternamente lembrado por seus personagens queridos(as) e toda a sua trama, universo, história e, claro, sua arte extremamente detalhista e bela. Para sempre! Se eu pudesse dirigir uma homenagem mais direta ao artista, diria: Obrigado por ter feito o meu mundo mais mágico e interessante. Obrigado por toda essa experiência que mudou minha vida e me influencia das mais diversas formas. Obrigado pelos ensinamentos e lições. Obrigado, Kentaro Miura! Descanse em paz!

Kentaro Miura, sua obra está eternizada na história! <3
svg 14 min de leitura

Eloisio Michalski Abreu

Músico e baixista da banda Scream Weaver. Quando não está no palco ou em estúdio, se mistura aos mortais com sua identidade secreta de professor de Inglês e Geografia. Leitor assíduo, é apaixonado por J.R.R Tolkien, Edgar Allan Poe, Neil Peart, Richard Bach, Friedrich Nietzsche, Stephen Hawking, H.P Lovecraft, J.K Rowling, Neil Gailman, Charles Baudelaire e pelos mangakas Mokona, Nanase Ohkawa, Kamome Shirahama, Kentaro Miura, Hiromu Arakawa, Daisuke Igarashi, One e Kaiu Shirai, fora outros que vc vai conhecer nos posts deste blog. Seu lado gamer não vive sem Final Fantasy e Dark Souls, muito inspirado pelos compositores das trilhas e roteiristas das histórias desses games. Se alimenta diariamente de Black Sabbath e do Rush, suas duas bandas favoritas, sem deixar de degustar altas doses de Iron Maiden, Ghost, Slipknot, Foo Fighters, Mastodon, Him entre outras bandas.

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